Como num choque de realidade, o
que é a mais pura verdade, me vi entre
dois mundos. Dois mundos idênticos e ao mesmo tempo diferentes. Diferentes
daqui pra frente, e iguais no que tange a dinâmica em si. Entre negações,
otimismo e realidade substancial, me fechei entre quatro paredes e comecei a
rever conceitos de uma vida ainda não tão vivida assim.
Se eu for levar em conta meus 38
anos, 35 deles eu dinamizei num parágrafo com espaço duplo e totalmente voltado
as minhas realizações. Considero-me sortuda em aspectos diferentes da vida.
Tenho um histórico de família
incrível, um pai que me faz acreditar a cada dia, que o mundo em que vivemos é
exatamente como eu sonhei, e que o amor incondicional foi uma obra prima de seu
próprio coração.
Como todo filho que sai de casa
para alçar voos distantes, eu também voltei e voltei inteira, e estranhamente
com uma sede insaciável de família.
Além de trazer na bagagem a minha
história, trouxe em meus braços o melhor de mim, o meu filho. E nos reencontros
seguintes, tive a grata surpresa de conhecer meu marido.
Os encaixes que se seguiram no
decorrer desses anos me fizeram entender que além da busca incansável pela
eterna felicidade, me vi no meio de uma descoberta admirável do quanto procurei
por tantas sensações que sempre existiram dentro de mim.
Conto tudo isso, porque hoje tudo
faz um sentido incrível, uma sintaxe das situações que se encaixam e se
assemelham, sem ao menos planejar.
Hoje me considero um patchwork de
fragmentos e momentos.
Antes de chegar ao instante
atual, nesse momento em que transcrevo meus sentimentos sem deixar de sorrir e
chorar tem um capítulo que é fundamental para desencadear o processo que hoje
me levou a voltar a escrever.
Quando fiz 34 anos, estava numa
centrífuga geminiana de emoções. Foi um ano longo em vários sentidos.
Depois disso veio à calmaria, que
trouxe consigo novos horizontes, novos hábitos e um novo e fiel amor, a
corrida.
Ela veio num crescer incrível,
como uma fórmula mágica de redenção.
Através da prática quase diária,
pipoquei dezenas de novas ambições. Senti-me atleta, super-esposa e sei que me
tornei uma pessoa bem melhor.
Criei um blog, comecei a
participar de provas e a vencer novos
tempos e objetivos.
Foi o início de um mergulho
profundo.
Olhando de fora, hoje, sei
exatamente em que momento a corda foi puxada e em que intensidade. Mesmo
sabendo que nada mais seria igual a partir daquele momento, tentei ser forte e
acreditar que conseguiria, sem arranhões, seguir por esse novo caminho.
A notícia do Alzheimer da Mãe
veio sem perguntas e muito menos, respostas. A cada nova notícia que leio sobre
a doença, existe um misto de euforia e raiva, afinal tudo que leio não se
encaixa no perfil saudável, atlético e dinâmico da mãe.
As respostas estão ocultas em
lacunas profundas e cicatrizes diárias, onde se vive um dia de cada vez.
E nessa projeção de dias e
noites, fui sumindo... sem ser intencional. Fui tão silenciosamente fugindo de
tudo que me fazia bem, que parei de escrever, de ler e quase , de correr.
Matava a sede na esteira de casa.
Ainda faço isso... Mas correr de verdade
é muito mais que movimentar as pernas numa esteira. É se jogar na rua, no
campo, na estrada de chão batido.
E inexplicavelmente, tentei não
sentir mais as emoções.
Mas essa carta/apresentação é uma
vitória dos dias e noites protagonizados pelo esforço do meu marido e do meu
filho. Afinal é neles que tudo sempre começa e termina.
Então, todas essas linhas querem
chegar num único lugar: voltei!
E estou tão inexplicavelmente
sedenta de recomeçar que só de pensar ,
já me arrepio de emoção.
Agora é seguir em frente,
continuar a jornada e não deixar nunca mais a peteca cair.
